21/11/2017
Consciência e lugar de fala: Com a palavra a mulher negra profissional da Enfermagem
Debate promovido pelo Conselho marcou o 20 de novembro, em Porto Alegre
“Não somos todos iguais, somos etnicamente diferentes sim”. Com orgulho da sua rebeldia, Roseana Maria de Medeiros não se conforma mais com o racismo que a cerca principalmente dentro da sua profissão, a Enfermagem. Este processo de fortalecimento pessoal, porém, é exaustivo e conta com diversos obstáculos: Dentro da sala de aula não se estuda sobre cultura negra; Na academia não há espaço para os debates do feminismo negro; Na graduação em Enfermagem, questões raciais, mesmo que envolvesse pacientes, não são discutidas. Este é o contexto em que se formam futuros(as) enfermeiros(as), técnicos(as) e auxiliares de Enfermagem, como expõe Roseana. 

Na prática, o racismo institucional somado ao machismo se traduz em situações registradas – e estudadas – por ela:

“Eu ouvia piadas da equipe de enfermagem que coordeno. As piadas eram sobre eu ser negra, que eu era uma negra muito brava”.

“Não faz muito tempo que fui ao quarto de um paciente para atendê-lo, e ele deu um sorriso irônico e me disse: ‘ôpa’ vou receber atendimento de uma negreta”.

“As pessoas te olham diferente porque acham que os negros não são capazes de possuir um diploma nem de ter conhecimento e até mesmo gerenciar uma empresa onde a maioria é de brancos”.

Os três relatos fazem parte da tese de doutorado de Roseana, que deu nome ao evento Com a palavra a Mulher Negra a (vez) e voz de Enfermeiras Afro Descendentes a respeito de suas Representatividades Discursivas, promovido pelo Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul (Coren-RS) para marcar o Dia da Consciência Negra (20 de novembro). O debate aconteceu na Escola de Enfermagem da UFRGS, em Porto Alegre. Além de Roseana, que apresentou seu trabalho, participaram as convidadas Maria Lúcia Pereira, presidenta da Associação dos Enfermeiros do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (AEHCPA), e Vera Beatriz Cruz, técnica de enfermagem do Grupo Hospitalar Conceição (GHC). Estavam presentes estudantes, profissionais da Enfermagem, funcionários(as) do Coren-RS e professoras da Escola de Enfermagem da UFRGS. Representantes do Sindicato dos Enfermeiros (Sergs), da Associação Brasileira de Enfermagem – Seção do Rio Grande do Sul (ABEn/RS) e da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Instituições Financeiras do estado (FETRAFI/RS) também participaram. Na mesa de abertura, além das convidadas, estavam o presidente do Conselho, Daniel Menezes de Souza, e a conselheira Nelci Dias, que reiteraram a importância do tema ser abordado pelas entidades da Enfermagem. A ocasião foi marcada como o primeiro evento na história do Coren-RS a abordar a realidade de negras profissionais da Enfermagem e o racismo institucional.

Durante o debate, mais relatos surgiram, o que evidenciou a necessidade de se abordar o racismo na Enfermagem. Para Maria Lúcia, são tantas ocasiões em que o racismo se faz presente que é difícil de contar. “Tudo o que estamos falando aqui hoje, como preconceito com o nosso cabelo e jeito de falar ou se vestir, é sobre a tentativa de nos enbranquecer”, se refere ela aos casos de constrangimento de enfermeiras negras por parte de gestores(as), colegas e usuários(as) das instituições de saúde. “A regra estabelece que meu cabelo não deve cair no meu rosto nem interferir no meu atendimento ao paciente”, brinca Vera, apontando para seu cabelo – que atende à determinação. “Então o problema não somos nós. Eles que se incomodam com as nossas raízes”, complementa, ”mas eu amo meu black power e vou usar sim!”. Frequentemente as profissionais negras da Enfermagem são coagidas a alisar os cabelos, como contam as participantes do debate, relatando outras situações invasivas dentro de seus locais de trabalho. “Bom, quando o cargo de chefia é de uma negra, então...”, suspira Roseana, “… parece que tem alguma coisa errada, não é mesmo?”, ironiza ela, mostrando as entrevistas que realizou para sua tese e contando de casos em que seus pacientes duvidaram que ela seria a profissional que os atenderia, esperando por uma pessoa branca. Ao final do evento, foi sugerido que a plenária do Conselho delibere sobre a implementação de um Grupo de Trabalho para tratar do assunto. A pauta foi adicionada à próxima Reunião Ordinária de Plenário, que acontecerá na próxima sexta-feira (24). O Conselho se orgulha do debate, agradece às convidadas e participantes, e reitera a importância do lugar de fala dentro de seus eventos. Isto faz parte dos objetivos da gestão atual do Coren-RS: aproximar o Conselho da categoria, trabalhando pela valorização da Enfermagem e suas profissionais.

Fonte: Departamento de Comunicação Institucional
Texto: acadêmica de jornalismo Mariana Bello
Supervisão: jornalista Denise Campão DRT/RS 5.695 
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