07/02/2010 - Programa recupera jovens da Fase

Adolescentes aprendem todas as etapas de manuseio da terra

Debulha o feijão das vagens a mesma mão que um dia empunhou uma arma. Quando o jovem de 19 anos errou o tiro disparado na direção da vítima de um assalto, acertou em cheio contra o próprio destino. Agora, ele cumpre medida de ressocialização da Fundação de Atendimento Sócio-Educativa (Fase) e ganhou a chance de ensinar novas atividades aos dedos, os quais antes brincavam de carregar o tambor e apertar o gatilho.

O jovem é um entre mais de 30 adolescentes que participam do projeto "Horto Medicinal - Plantando e Colhendo Vida", na unidade da Fase na Vila Cruzeiro, em Porto Alegre. As atividades acontecem em parceria com o Conselho Regional de Enfermagem (Coren-RS). 

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"Cair (ser preso) foi a coisa mais horrível que me aconteceu", reconhece o jovem rapaz, que ainda preserva na imagem o resíduo das feições de menino e na fala, o jeito de um adolescente. Ele é o segundo dos quatro filhos que abençoaram com vida a família que habita uma casa no morro da Glória, na Capital. Apesar de receber do pai, técnico em eletrônica, as primeiras lições para seguir no ofício, sucumbiu ao misterioso fascínio que o crime exerce sobre as mentes imaturas. "Foi tentativa de latrocínio. Roubo com homicídio tentado, porque a vítima reagiu", conta, com certa naturalidade e um brilho inconsequente sobre seus olhos verdes. 

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Para o diretor da unidade da Vila Cruzeiro, Jacob Baumgartner, o desafio da internação consiste em reverter a vertente de energia mal direcionada dos jovens em capacidade de produção e realização. Experiente na lida com a gurizada, Jacob sabe que vai arrancar um sorriso do jovem quando pergunta do que ele mais se orgulha, desde que entrou na Fase, há 3 anos. "Fui eu que preparei os canteiros", responde o rapaz, dessa vez baixando os olhos na direção do chão que ele ajudou a transformar em terra fértil.

E essa façanha, segundo o técnico agrícola Luiz Antônio Alves da Silva, custa bastante esforço e dedicação da meninada. "São 43 canteiros, com algumas culturas de lavoura e muitas ervas medicinais. Tudo é feito por eles, com manejo ecológico, sem agrotóxicos e com adubo preparado na compostagem", explica o técnico da unidade.

Para outro jovem trabalhador do projeto, as etapas no manuseio da terra se confundem com as do processo da própria reinserção social: "Foi aqui que tive a oportunidade de aprender a limpar, a plantar e a colher", enumera o jovem.

Ele conta que "caiu na Fase" depois de se envolver com o tráfico de "pó e pedra", porque é "mais fácil de ganhar dinheiro". O jovem, que vivia com a família no bairro Matias Velho, em Canoas, conquistou o direito de participar do projeto pelo bom comportamento. Agora, ele diz que enxerga no aprendizado a chance de uma nova profissão. "Já tinha trabalhado em obras e no plantio de eucaliptos. Agora, eu vejo uma nova oportunidade", avalia.

Atividade ajuda na ressocialização
A exemplo da iniciativa do Coren-RS, de instalar um Horto Medicinal na Fase da Vila Cruzeiro, outras formas de interação da comunidade podem ser integradas ao cotidiano dos jovens em recuperação. Para o presidente da Fundação, Irany Bernardes de Souza, tais iniciativas fazem com que os internos tenham acesso a conhecimentos profissionais e culturais que contribuem para o processo de ressocialização.

Segundo Irany, outras iniciativas são desenvolvidas no Estado com bons resultados. "Temos criação de peixes em Uruguaiana. Música em Santo Ângelo. Atividade industrial em Caxias do Sul e Novo Hamburgo. O perfil da iniciativa costuma estar ligado com a cultura local", explica o presidente da Fase, acrescentando que cada unidade possui autonomia para negociar com a comunidade e administrar o trabalho em conjunto com o parceiro e os internos. A Fundação cuida atualmente de 1.041 adolescentes que estiveram em conflito com a lei. São 594 na Capital e o restante nas sete unidades do Interior do Estado.

Pessoas e entidades interessadas em formar parceria com a Fase podem contatar o setor de Comunicação pelo telefone 3931-3010.